Meus caros,
Segue, infra, um artigo que publiquei na edição do “Magazine Independente” do dia 17 de Abril deste ano, sobre o Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ).
Agradeço comentários, sugestões, críticas e...ameaças!
- Dedico este artigo a todos os jovens que aceitam o desafio de estudar e fazer jornalismo
Em livro que publicou em 1994, intitulado “Informação em Moçambique: A Força da Palavra”, Albino Magaia diz que o jornalista é parte daquele grupo de cidadãos que, para além de usufruírem do direito constitucional à liberdade de expressão e de pensamento, têm também o dever profissional de fazer uso desse direito.
Se percebo bem o alcance das palavras de Albino Magaia, um dos mais reputados profissionais de comunicação social que Moçambique já teve, sendo cidadão o jornalista é, à luz da lei, igual aos seus semelhantes, mas, sendo ele um profissional a quem compete documentar, jornalisticamente, o país e o mundo, o uso desse direito torna-se, para ele, mais obrigação que outra coisa.
Na passada sexta-feira, 11 de Abril, a comunidade jornalística moçambicana comemorou o trigésimo aniversário da criação de uma das suas organizações sócio-profissionais, nomeadamente o Sindicato Nacional de Jornalistas (ONJ), antes denominado Organização Nacional de Jornalistas (ONJ). Este é o motivo que me leva a escrever esta prosa, em jeito do exercício do direito à razão, que nada tem a ver com o direito a ter razão.
Grupo MBS
Na sua edição de 21 de Outubro de 2005, ou seja, uma semana depois de Eduardo Constantino ter sido confirmado Secretário-Geral (SG) do SNJ, o semanário SAVANA inseriu um artigo intitulado “Constantino já manda”, da lavra de Adelino Timóteo, no qual se dizia, de entre várias coisas, que “a lista de Eduardo Constantino pôs a circular informações de que Cremildo Muando [outro jornalista que se candidatou àquela posição] pertencia ao crime organizado, apesar dos dois serem da Frelimo”.
Continuando, avançava a mesma publicação que “a teoria tinha como pano de fundo que editores de dois semanários controversos estavam por detrás da candidatura de Cremildo Muando, assim como o Grupo MBS”, ajuntando que “os apoiantes de Cremildo Muando eram referidos como sendo dos jornais da oposição”.
Perguntei, na altura, a Cremildo Muando se recebera, para se candidatar a SG, algum apoio do Grupo MBS, ao que ele declinou, tendo catalogado o que tinha sido escrito de “manobras dilatórias”. Eu, que na altura trabalhava para o extinto “Embondeiro”, era um dos apoiantes abertos e assumidos do candidato derrotado, uma vez que entendia que Constantino iria manter o status quo, dado que pertencia ao elenco de Hilário Matusse, anterior SG. Estava certo ou errado? Este não é o leit motiv deste texto.
Dois anos e meio depois de ter sido dito que a candidatura de Muando contara com o apoio de “dois semanários controversos e do Grupo MBS”, como se tal, na eventualidade de ser verídico, fosse crime, eis que o mesmo Grupo MBS aparece alistado, em anúncios relevantes inseridos na imprensa, como uma das organizações patrocinadoras das comemorações dos 30 anos do SNJ.
Aliás, o Jantar de Gala da passada sexta-feira, que contou com a presença de ilustres convidados, de entre os quais o Presidente da República, Armando Guebuza, realizou-se numa das salas do Maputo Shopping Center, que é propriedade do Grupo MBS. Coisas de Moçambique, este nosso país muito interessante!
Atropelos à ética
Em entrevistas que concedeu semana passada a alguns órgãos de comunicação social, Eduardo Constantino afirmou, de entre várias coisas, que os atropelos à ética estão a preocupar o SNJ. Num dos jornais ele era citado a dizer que “a liberdade de imprensa no país tem sido usada como instrumento para grosseiras violações à ética e deontologia profissional, comportamentos que mancham a classe como um todo”, ao mesmo tempo que “indivíduos há que usam o jornalismo para cumprir agendas inconfessáveis”.
Na realidade, atropelos à ética jornalística não têm como deixar tranquilo a algum profissional da comunicação social digno desse nome. Em círculos informais, várias são as vozes que se têm mostrado preocupadas com tais violações, dado que, como bem disse o SG do SNJ, “mancham a classe como um todo”. Infelizmente, o SNJ quase nada tem feito no sentido de reflectir em torno do cosmos do jornalismo que se pratica hoje em Moçambique. Nas entrevistas a que me referi atrás, Eduardo Constantino é apenas citado a mostrar a sua “preocupação”, mas em nenhum momento o citam a dizer o que estará a fazer no sentido de acabar com tal situação.
Em boa verdade, há que lembrar que atropelos à ética jornalística no país são tão antigos como o é a existência do próprio SNJ, que, nos últimos anos, não promove debates públicos para a comunidade jornalística reflectir em torno de si mesma. Em privado talvez o assunto seja debatido, dado que o SNJ é, no país, das poucas organizações cujos membros do secretariado se reúnem semanalmente. Mas, como as actas dessa sessões não são tornadas públicas, a diferença entre uma e outra situação se mostra igual.
Atropelos à ética não são novos? Sim. Na sua obra que atrás citei, Albino Magaia refere que “[nos] inícios dos anos 80, discutia-se matéria de fundo da vida dos jornalistas. O flagelo das redacções eram os jovens que tinham conseguido o ingresso nos órgãos de informação devido à sua habilidade para redigir, mas cuja atracção principal pela profissão era o estilo liberal da vida do jornalista: sacola a tiracolo, gravador na mão, quiçá, uns óculos escuros e (maravilha!) oportunidade de recepções bem regadas, bem fartas...”.
Albino Magaia afirma ainda que “com um convite para dois jornalistas apareciam quatro que comiam e bebiam por seis e eram os últimos a sair – mesmo que a notícia tivesse que ser editada nessa noite – alguns com uma garrafa de whisky na sacola, que poderia passar ou não no portão, dependendo da embaixada e do zelo do porteiro”.
“Violação de ética? Claro. Mas como explicar isso a um jornalista mal pago, esfomeado e, ainda por cima, pronto a fazer favores à embaixada (uma noticiazinha) e que, por mais admoestado que fosse, sentia-se moralmente apoiado, porque em todas as redacções havia esse espécime de jornalista?”. (Magaia, 1994: 59)
Das incompatibilidades
As incompatibilidades parecem abundar igualmente no seio dos jornalistas, o que, talvez, possa estar a ser causado pelas fraquezas a que Albino Magaia se refere no seu livro. Mas há uma que a mim me preocupa imenso e que tem a ver com o próprio chefe máximo da classe, nomeadamente o SG Eduardo Constantino.
Além de ser SG do SNJ, Eduardo Constantino mantém o cargo de Chefe de Redacção da Rádio Moçambique. Mas porquê? Explico-me: não me parece ser razoável alguém fazer essas duas coisas ao mesmo tempo, dado que, numa, tem poderes para punir, enquanto que noutra é suposto lá estar para defender os que, porventura, tenham sido injustamente punidos.
Imagine-se a triste sina em que se veria um jornalista da RM que, depois de Eduardo Constantino, um dos seus gate-keepers, o tiver punido injustamente, por via da sugestão ao Conselho de Administração, de desconto de 15 dias no seu salário, por alegada improdutividade, recorra ao SNJ para se queixar da violação dos seus direitos. Irá encontrar, por lá, a pessoa que o puniu doutro lado, que nada poderá fazer senão o “mandar passear”.
Nesta ordem de ideias, acho que não seria ao todo exagerado se Eduardo Constantino deixasse de exercer a função de Chefe de Redacção da RM. Se achar que não pode abdicar desse posto, o mais razoável talvez seja pôr o seu cargo de SG à disposição e convocar novas eleições. Acumular as duas funções não me parece ser correcto.
Proposta de reformas
O dirigente máximo do SNJ, o SG neste caso, tem sido eleito num quadro quanto a mim muito problemático, que deveria ser rapidamente revisto. Quando se realiza uma conferência ou assembleia electiva do SNJ, apenas os chamados delegados é que têm direito de votar.
Os demais profissionais da comunicação social, mesmo tendo as suas contas em dia, são impedidos de exercer o direito a voto, por não constarem da lista dos delegados, o que torna o “processo democrático” a isso respeitante de fachada simplesmente; os próprios delegados, em grupos “representativos” das províncias do país, são “eleitos” como nos filmes ou nas novelas, como diria o outro.
Para que se não gaste tempo e fundos em estudos sobre como tornar isso possível, o SNJ pode, a meu ver, adoptar o que se faz ao nível da Ordem dos Advogados de Moçambique: ser advogado inscrito, com quotas em dia e de nacionalidade moçambicana. Assim, creio, o próprio SG seria mais da classe, que transcende, de longe, os delegados que só condicionam os processos. Não digo que Eduardo Constantino não seja, mas...
Saturday, October 4, 2008
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2 comments:
O teu texto denuncia uma coisa muito grave! Não sei porque preferiste manter nas entrelinhas!! Eduardo Constantino é um SG suspeito. Se calhar, seja por isso que movimento sindical na RM seja o que é: morinundo.
Abraços a sensatez.
E.
Meu Caro,
Acredito que os jornalistas moçambicanos, querendo, são capazes de evitar situações como a do seu SG contudo, há ainda um grande problema: É urgente definir-se claramente quem é, (ou quem pode ser) jornalista em Moçambique.
Não conheço os supostos delegados que definem a vida do sindicato pela força do voto selectivo mas, se eles perpetuam tais incongruências, fica claro que os interesses que defendem não têm nada a ver com os dos escribas.
Pena que parece que muitos jornalistas não levam a sério seus próprios problemas.
Saudações.
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