Thursday, April 2, 2009

Quando a igualdade é diferença…

A SADC (Southern Africa Development Community – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) mostrou esta semana ser uma organização que se guia pela lógica de ‘dois pesos e duas medidas’ na sua maneira de lidar com crises políticas. Ao cabo de um ano de minimização, ou mesmo de ‘nulização’, do Golpe de Estado perpetrado pelo comrade Robert Mugabe no Zimbabwe, eis que, em tempo recorde, o não comrade Andry Rajoelina, o militarmente indigitado presidente do Madagáscar, foi suspenso. Mas porquê se pode falar de Golpe de Estado tanto no apadrinhado Zimbabwe como na marginalizada Madagáscar?

Para vários cientistas políticos, Golpe de Estado é o processo através do qual uma pessoa ou grupo de pessoas ilegítimas, porque não legalmente designada(s) - por eleição, hereditariedade ou outro processo legal de transição – chegam ou se mantém no poder, contrariando ou subvertendo todo o quadro legal e da ordem social e política vigentes.

Um Golpe de Estado costuma, assim, a acontecer quando um grupo político renega as vias institucionais para chegar ou se manter no poder, recorrendo, para tal e para tanto, a métodos de coacção, coerção, chantagem, pressão – compadrio, acrescentamos nós – ou emprego violento da violência para se manter no poder ou para conquistá-lo.

Na verdade, os elementos caracterizadores desse fenómeno acima referidos foram abundantemente notórios no Zimbabwe, antes e depois das eleições de Março do ano passado, ganhas pelo MDC (Movement for Democratic Changes – Movimento para Mudanças Democráticas) e pelo seu candidato a Presidente da República (PR), Morgan Tsvangirai. No período anterior e posterior às de Junho do mesmo ano, convocadas para se apurar o PR entre os dois candidatos mais votados (Morgan Tsvangirai e Robert Mugabe), o caos se manteve, a ponto de o vencedor da ‘primeira volta’ desistir.

Logo a seguir ao escrutínio de 27 de Junho, uma missão de observadores da SADC dizia, no seu relatório, que “as eleições não representaram a vontade do povo”, mas, mesmo assim, os chefes de Estado desta sub-região continental, incluindo o PR moçambicano, Armando Guebuza, vieram a público referir que ‘esforços estão a ser feitos no sentido a normalidade regressar ao Zimbabwe’.

Três meses depois [em Setembro de 2008] da farsa eleitoral de Junho, Morgan Tsvangirai – declarado por contagens paralelas como tendo obtido mais de 50 por cento de votos no pleito de Março do ano transacto – e as duas alas do MDC eram empurrados pela SADC e pelos comrades filiados na ZANU-PF a assinaram um acordo para a formação de um governo de unidade, acto que viria a se consumar cinco meses depois [em Fevereiro de 2009], mas uma coisa manteve-se: a minimização, ou mesmo ‘nulização’, do Golpe de Estado perpetrado pelo regime de Robert Mugabe.

O processo de assalto violento às mentes e integridade física dos zimbabweanos, às normas constitucionais e aos mais básicos preceitos de eleições livres, justas e transparentes, qual Golpe de Estado visando a manutenção ilegal e ilegítima no poder por parte de Robert Mugabe e da sua entourage da ZANU-PF, foi superiormente dirigido por um “Joint Operations Command”, em claro atropelo à Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação, adoptada pela União Africana em Janeiro de 2007, que, no seu artigo 23º, capítulo 8, estabelece o seguinte:

“Any refusal by an incumbent government to relinquish power to the winning party or candidate after free, fair and regular elections [belongs to the same category as a] coup d’Etat or intervention by mercenaries (…) armed rebels or dissidents”, o que, em tradução livre, seria o mesmo que “Qualquer recusa por parte de um governo do dia para entregar/passar o poder ao partido ou candidato vencedor após eleições livres, justas e regulares [pertence à mesma categoria de] Golpe de Estado ou intervenção de mercenários (…) forças armadas ou dissidentes”.

Apesar de não ter havido nenhuma eleição livre e justa em Zimbabwe no ano passado, as de Março ainda foram tidas como aceitáveis, uma vez que o povo pelo menos foi às urnas expressar a sua vontade. Vontade que, para muitos observadores independentes, foi coarctada pelos gestores do processo eleitoral, que tudo fizeram, com sucesso, para que Morgan Tsvangirai tivesse abaixo de 50 por cento de votos.

Mas esta semana a SADC mostrou aos que dúvidas tivessem que ela nem sempre ‘pisca o olho’ a conquistas ilegais do poder, que talvez tenham, como dizem vários analistas, alguma dose de legitimidade. Referimo-nos à actuação desta organização regional face à situação política no Madagáscar, que levou ilegalmente ao poder o agora mediático Andry Rajoelina, de 34 anos de idade.

Em pouco menos de duas semanas, os líderes da SADC reuniram-se por duas vezes, com Madagáscar no topo da agenda. Na última dessas reuniões, que se realizou segunda-feira na Swazilândia, a ilha-país agora superintendida por Andry Rajoelina foi suspensa da organização, tendo se apelado ao militarmente indigitado presidente, pouco depois reconhecido pelo Tribunal Supremo local, a abandonar urgentemente o poder, “abrindo caminho para uma incondicional recondução de Ravalomanana”.

Em rigor, este é o segundo Golpe de Estado que acontece na África Austral num espaço de um ano: o primeiro foi perpetrado pelo regime de Robert Mugabe no Zimbabwe, ao qual a SADC ‘fechou os olhos’, ao que seguiu o de Março último no Madagáscar, que levou Andry Rajoelina ao poder. Mas porquê a adopção da política de ‘dois pesos e duas medidas’ por parte da SADC?

Estando, até certo ponto, óbvia a razão para tal e para tanto, importa recordar que, quando se viu pressionado pelos media e por influentes figuras, como são os casos de Nelson Mandela e Desmond Tutu, que questionavam o compadrio da organização regional, Robert Mugabe veio a público dizer que “ninguém me pode tirar do poder, a não ser Deus”, tendo ajuntando que “nenhum chefe de Estado dos países da SADC está limpo para me criticar”.

Em reacção a esta última decisão da SADC, Andry Rajoelina foi segunda-feira citado por agências noticiosas internacionais como tendo dito o seguinte: “As sanções aplicadas não trouxeram nenhuma surpresa. Madagáscar tem sido membro desta organização (SADC) mais por questões pessoais que por questões de interesse público”.

Não estará a SADC, com a forma como encarou os dois Golpes de Estado abordados neste artigo, a se assumir, de uma vez por todas, como um ‘Clube de Amigos’?

Wednesday, March 25, 2009

Governador de Tete ameaça de morte jornalista do “Notícias”

O governador da província de Tete, Ildefonso Muananthata, ameaçou de morte, nos dias 16 e 17 do corrente mês de Março, no distrito de Mágoè, o jornalista Bernardo Carlos, correspondente do matutino “Notícias” naquela província, aparentemente por não ter gostado do teor dalgumas reportagens que aquele profissional produziu há alguns dias.
Na primeira ocasião (16 de Março), Muananthata dirigiu-se ao jornalista em questão no decurso de um jantar, em que estavam presentes o administrador de Mágoè, António Mapure, directores distritais e outros quatro profissionais da comunicação social, nomeadamente Amarildo Romão e Rosário Saide (da TVM), Alberto Camacho (da Rádio Moçambique) e Domingos Pascoal (do Diário de Moçambique), tendo lhe dito que estava “muito aborrecido” com ele, porque “estás a acotovelar-me”.

Alguns jornalistas que presenciaram os factos contaram ao oficial de Informação e Pesquisa do MISA-Moçambique que o governador de Tete disse ainda à sua “vítima” ter lido os artigos que publicara no “Notícias”, que tinham como objecto i) a denúncia da má qualidade das obras de electrificação das sedes distritais daquela província, ii) o facto de as vítimas das cheias de 2006 continuarem a viver ao relento em Mutarara e iii) a estranha subida dos custos de reabilitação da residência do administrador deste mesmo distrito (Mutarara), em mais de seis milhões de meticais até Fevereiro deste ano.

Nas reportagens que desagradaram Ildefonso Muananthata, o jornalista Bernardo Carlos ouviu o ministro das Finanças, Manuel Chang, que chefiava uma brigada do Conselho de Ministros que se encontrava em serviço naquela província, o administrador de Mutarara, Alexandre Faite, e o chefe do Departamento de Edificação das Obras Públicas em Tete, que, até ao presente momento, ainda não desmentiram o que disseram.

O governador terá admitido, nessa sua ‘conversa’ intimidatória com o jornalista Bernardo Carlos, que “os artigos não relatam mentiras (…) só que a verdade tem o seu preço, tem as suas consequências”, para depois ajuntar, no mesmo tom: “Queres que um dia eles venham a sofrer pelo resultado do que escreves? Sabes o que aconteceu com o jornalista Carlos Cardoso? Não te admires se um dia acordares sem o braço que estás a usar para me acotovelar”.

Já na manhã do dia seguinte (17 de Março), o governador de Tete voltou à carga, tendo, por volta das 13 horas desse dia, se dirigido aos jornalistas acima referidos, para retomar as ameaças da noite anterior ao correspondente do Notícias. “Você me acotovelou bem e para saberes bem, eu não quis falar-te isso em privado; preferi aqui na presença dos teus colegas e quero ver o que vais escrever depois desta visita. Cuidado com o sabor das verdades”, terá frisado o representante do Chefe do Estado em Tete, citado pelos jornalistas que presenciaram o facto por abordados pelo MISA-Moçambique.

Contactado na tarde desta terça-feira pelo MISA-Moçambique para se pronunciar em torno deste caso de ameaça de morte, o director editorial do “Notícias”, Rogério Sitoe, afirmou o seguinte: “Estou em conversações com o governador [Ildefonso Muananthata] para perceber melhor o que aconteceu; as conversações estão a bom ritmo e sexta-feira terei um encontro com ele em Tete. Depois disso tomaremos uma posição”.

O MISA-Moçambique condena, em termos firmes e veementes, a atitude intimidatória do governador de Tete, por ser totalmente contrária àquilo que tem que ser o comportamento de um governante equilibrado, ademais num Estado de Direito. Além das ameaças de morte, que tem relevante enquadramento no Código Penal, a atitude de Ildefonso Muananthata se traduz num claro atentado às liberdades de Imprensa e de Expressão, quais pilares de uma sociedade democrática.

Maputo, 24 de Março de 2009

Tuesday, March 10, 2009

A inevitável convivência com o crime

- “A sociedade cria o crime quando define o que é crime, orienta quem deve ser preso, quem não deve ser preso (…) se o problema é social e comunitário, ele não será resolvido fora desse contexto”, Carlos Magno Cerqueira, in “Media e Violência Urbana”, pág. 39

Maputo acolhe, de 11 a 12 de Março corrente, o primeiro seminário nacional sobre Criminalidade e Sociedade, evento que nos levou a redigir este artigo. Eis algumas das questões sobre as quais gostaríamos que se reflectisse: Como é que o Estado administra a convivência social, para que ele possa reivindicar comprometimento com o combate ao crime? Como é que a cidadania e as relações sociais são construídas? Não terá chegado o tempo de nos preocuparmos mais com a identificação de problemas e não com o delineamento de pseudo-soluções? Que tal se os órgãos de segurança pública, os cidadãos e os media repensassem os seus papéis?

As lições de Blair

Quando foi confirmado candidato do Partido Trabalhista às eleições de 1997 no Reino Unido da Grã-Bretanha, Tony Blair sabia, de antemão, que seria extremamente difícil tirar os conservadores do poder; lá estavam eles faziam 18 anos; para conquistar o poder, o Partido Conservador teve que desenhar uma estratégia de combate ao crime, que era o maior problema do então naquele país, que pudesse convencer o eleitorado, esse que já estava farto e agastado com a fraca resposta do então governo do Partido Trabalhista.

Como fosse uma boa estratégia de combate ao crime, o Partido Conservador conseguiu mesmo o voto dos eleitores, com o que empurrou o Partido Trabalhista para a oposição. E mantiveram-se, os conservadores, no poder por nada mais, nada menos que 18 anos, oferecendo aos cidadãos das melhores estratégias e tácticas conhecidas para e/ou no combate à criminalidade.

Ao longo desse tempo todo (18 anos) os conservadores se tornaram especialistas do combate ao crime. A Grã-Bretanha tornou-se uma sociedade extremamente policial, de tal sorte que, depois das 21, qualquer ‘estranho’ que se pusesse a caminhar por um bairro ‘estranho’ era interpelado por populares, para relevantes interrogatórios. Tudo visando uma coisa: a prevenção do crime.

Quando deu a sua primeira entrevista televisiva, nessa sua qualidade de candidato trabalhista, Tony Blair confessou que reconhecia a perícia que os seus oponentes conservadores tinham no combate à criminalidade, e que lhe seria difícil, ou mesmo impossível, apresentar uma proposta melhor que a deles. Tony Blair não estava, de jeito nenhum, como se pode levianamente pensar, a se assumir como um candidato perdedor, como os tantos palhaços políticos que temos por cá, que bastas vezes nos disseram que se candidatam “não para ganhar, mas para animar a festa democrática”...

Tony Blair afirmou, nessa entrevista, que iria apostar no combate às causas do crime como tal, uma vez que, no seu entender, só assim é que o crime se veria razoavelmente combatido. Explicou, por exemplo, que criaria condições políticas e financeiras para que o sector privado fosse produtor de empregos. E assim foi ganhando adeptos, visto muita gente, conservadores incluso, despertou do sono profundo, passando a perceber que o crime tem, na verdade, ‘raízes’, sobre as quais tinha que se direccionar a actividade combativa.

Em sede das urnas, ele ganhou folgadamente o pleito eleitoral. E como as suas políticas tivessem como epicentro a promoção do bem-estar dos cidadãos, ele foi reeleito nas eleições seguintes, até que demitiu-se do cargo por outros motivos que não cabem neste espaço, tendo sido substituído pelo indigitado trabalhista Gordon Brown.

Sociedade cria o crime?

O fenómeno da criminalidade é preocupante, nos dias que correm, em vários países, sendo Moçambique um deles. Consciente dessa triste realidade, o governo, através do Ministério da Justiça, promove, a partir de hoje, um seminário nacional sobre Criminalidade e Sociedade, no qual serão apresentados discursos oficiosos e oficiais, opiniões percepções de cidadãos e resultados dalguns estudos sobre a matéria, com particular destaque para os referentes aos linchamentos, que se estão a tornar a regra cá entre nós.

A ideia de a criminalidade ser discutida tendo-se em conta o que a nossa sociedade é hoje nos parece muito acertada como princípio. A sociedade, como certa vez defendeu o comandante brasileiro Carlos Magno Cerqueira, cria o crime quando define o que é crime, ao mesmo tempo que orienta quem deve ser preso e quem não deve ser preso.

A nosso ver, a purificação da instituição policial é, no nosso país, uma das acções mais que urgente nesta luta contra a criminalidade. Há, dentro da Polícia, muitos agentes-bandidos, que funcionam como informadores e/ou estrategas das redes criminais, com o que muitos planos acabam por morrer ‘de morte matada’, muitos antes de serem postos em prática.

Há uns anos, por exemplo, um grupo da defunta “Brigada Mamba” deslocou-se à vila da Macia, no distrito de Bilene, província de Gaza, para uma operação de neutralização e detenção de indivíduos que eram catalogados de cadastrados perigosos. Lá chegaram com tudo bem estudado e o plano funcionou. Os ditos cujos foram encontrados no seu ‘comando operativo’, tendo sido detidos.

Noite adentro, enquanto os agentes envolvidos naquela operação regressavam a Maputo, com os fora-da-lei devidamente neutralizados, eles (os agentes) começam a receber mensagens intimidatórias nos seus telefones celulares, aconselhando-os a deixarem “os nossos homens” em liberdade, sob pena de aqueles pagarem com as suas vidas.

No seio de mais de três milhões de números de telefones móveis online, os que estavam a ameaçar os referidos agentes tinham que ter um super-poder para conseguir descobrir os números dos homens da Polícia. Na verdade, alguns dos seus colegas, talvez seus superiores hierárquicos, é que passaram-nos a outros elementos do grupo dos que com eles se encontravam.

A verdade é que os neutralizados foram levados até Maputo, seu destino. Verdade também é que os elementos da defunta “Brigada Mamba” foram abatidos quase todos, um por um, até que ela foi extinta. Isto mostra que os maiores inimigos dos que, dentro da Polícia, se mostram dispostos a dar de tudo para combater a criminalidade, estão bem acomodados na instituição policial.

A convivência com o crime

O que nos parece certo, neste momento, é que a sociedade vai ter mesmo que conviver com o crime. A forma como essa convivência será viabilizada terá que ver com a forma como todos os actores – O Estado e os seus órgãos de segurança pública, os cidadãos devidamente organizados e os media, quais (re)produtores da imagem do crime, do criminoso e dos órgãos de controlo social – relevantes visualizarem o crime.

Ao nível dos discurso político, é recorrente ouvir chavões do tipo “temos que erradicar o crime”. No seminário que esta quarta-feira inicia, não nos espantaremos se ouvirmos o Presidente da República, Armando Guebuza, ou a ministra da Justiça, Benvinda Levy, a dizerem que “temos que erradicar o crime”. É preciso, alertam-nos vários estudiosos do fenómeno criminal, “entender o crime como um fenómeno normal da sociedade”. Normal, dizemos nós, talvez não. É mais razoável concebê-lo como algo comum...

Como é que o Estado administra a convivência social, para que ele possa reivindicar comprometimento com o combate ao crime? Como é que a cidadania e as relações sociais são construídas? Não terá chegado o tempo de nos preocuparmos mais com a identificação de problemas e não com o delineamento de pseudo-soluções? Que tal se os órgãos de segurança pública, os cidadãos e os media repensassem os seus papéis?

Muitos questionam, por exemplo, o facto de os media chamarem, para as suas primeiras páginas ou para a abertura dos seus jornais sonoros ou telejornais, factos criminais que envolvam sangue, em detrimento das raras acções de sensibilização e educação no quadro da prevenção criminal; esquecem-se, os que assim pensam, de se informarem, antes, das lógicas da actividade jornalística, sobretudo no dinâmico contexto actual, em que a exclusividade já é, ela mesma, um valor-notícia.

Pode-se dizer, com alguma segurança, que temos o azar de ser um país em que pensa, recorrentemente, que a reprodução do medo é a melhor forma de sensibilizar as pessoas. O Ministério do Interior usou, durante muito tempo, a pública TVM para cometer das impensáveis barbaridades, substituindo-se, inclusive, aos tribunais. Nessa palhaçada toda, os que faziam o programa mais se preocupavam em julgar e condenar ‘sumariamente’.

Os fundos de que o Estado dispõe para acções de educação e sensibilização neste domínio podem ser usados de uma forma mais frutífera. O governo, que não precisa especializar-se em tudo, pode passar esses fundos às organizações da sociedade civil, para acções dessa índole.

Outro aspecto que julgamos ser importante no binómio criminalidade-sociedade é a solidificação e institucionalização de mecanismos locais de resolução de problemas criminais. Referimo-nos, por exemplo, à questão dos tribunais comunitários, que tanto ajudariam os cidadãos a encontrarem as respostas que, de outro modo, dificilmente as encontram.

Sem soluções tais, a barbárie toma conta das mentes. Nesse quadro, destacam-se, pela negativa, os linchamentos que ocorrem com muita frequência um pouco por todo o país. Ainda bem que o assunto será objecto de discussão durante a reunião desta semana.

Friday, March 6, 2009

Um sacrificado chamado Lourenço Bulha

As eleições autárquicas de 19 de Novembro de 2008, que decorreram em 43 cidades e vilas moçambicanas, confirmaram, na minha maneira de ver as coisas e de sentir o pulsar da política, algo que há muito se vaticinava nalguns círculos: a grande vontade das actuais lideranças da Frelimo, o partido no poder, de transformar a sua formação política em partido dominante.

Mas porquê? Tratou-se da primeira experiência eleitoral no país de Eduardo Mondlane e Uria Simango em que os partidos concorrentes e seus candidatos não tiveram acesso a algum apoio monetário por parte do Estado, como forma de melhor se prepararem para enfrentar o pleito. Em eleições pluripartidárias anteriores – ‘gerais’ de 1994, 1999 e 2004 e ‘autárquicas’ de 1998 e 2003’, sucedeu o contrário. Até aqui tudo pode parecer normal, se se assumir, de forma acrítica, que nenhum partido e/ou candidato recebeu fundos do erário público.

Na verdade, na verdade mesmo, as coisas não foram bem assim: a Frelimo, partido no poder que é, e devidamente consciente da importância da sua manutenção no poder, terá usado o controlo que possui sobre os Cofres do Estado para financiar as suas pré-campanha e campanha eleitorais.

Alguns dos funcionários públicos que receberam ordens para ‘investir tudo que possível’ para o partido no poder, até se esqueceram da ilegalidade de coisas tais, a ponto de publicitarem, na imprensa, no âmbito dos comandos do decreto número 54/2005, de 13 de Dezembro – sobre contratação de empreitadas, serviços e compras de bens do Estado – a intenção de se pretender uma empresa para produzir camisetas e bonés para o partido Frelimo. O exemplo da Direcção Provincial do Plano e Finanças de Inhambane nos poupa a esforços de tanta elaboração e/ou fundamentação em torno desta triste realidade deste nosso país, que ainda está à procura de si.

Com isso, a Frelimo se demonstrava, no teatro das operações, com uma super-força. Super-força que, em desabono da mentira, só se podia equiparar à grandeza do próprio Estado. Caso para dizer que continuam bem válidos os postulados de Maquiavel, segundo os quais em política os fins é que justificam os meios.

Se em futebol estivéssemos, teríamos uma Frelimo equiparável a formações como Real Madrid, da Espanha, e a Manchester United, da Inglaterra, a ‘medir forças’ com equipas como Vilankulo FC, Textáfrica do Chimoio ou Munhuanense Azar. Mas não deixa de ser verdade que partidos como a moribunda Renamo, que recebe fundos regulares do Estado, tiveram o ‘azar’ eleitoral que tiveram por terem o ‘azar’ de ter a liderança que (não) tem…

Já vai muito longo este nosso intróito. Peço indulgências por isso. O leit-motiv deste artigo é, como se pode depreender do seu título, a recente destituição de Lourenço Bulha do cargo de primeiro secretário provincial da Frelimo na província de Sofala. Antes de abordarmos o ‘caso Bulha’ como tal, permitam-me fazer outro enquadramento que julgo ser importante para se ter alguma percepção da aparentemente eterna preocupação do partido no poder em conquistar a ‘oposicionista’ Sofala, com a sua Beira no epicentro.

Quando foi das eleições autárquicas de 2003, nas quais Djalma Lourenço, candidato da Frelimo, foi humilhado por Daviz Simango em sede da votação, a mesma Frelimo, inconformada, teve que procurar um culpado pela derrota. E como quem procura feiticeiro sempre encontra, o partido no poder encontrou o [alegado] responsável pela sua derrota no pleito daquele ano. José Juga, na altura primeiro secretário da Frelimo na cidade da Beira, é ou foi o dito cujo.

Em reacção à sua sacrificação, José Juga usou as páginas do ZAMBEZE para desabafar, afirmando que o seu partido de então – ele é, agora, do PDD de Raul Domingos – estava a perceber mal as coisas. Precisou, por exemplo, que a Frelimo nunca tinha conquistado Beira, mesmo em sede de eleições gerais, o que, segundo fez questão de frisar, podia ser aferido a partir de uma simples desagregação dos dados provinciais [de Sofala].

No seu sinuoso esforço de conquistar Beira, Djalma Lourenço e a sua Frelimo tiveram o ‘apoio estratégico’ dos mesmos quadros que, nas eleições de 2008, apoiaram Lourenço Bulha: refiro-me a Filipe Paúnde, na altura primeiro secretário em Sofala, e ao meu amigo e conterrâneo Edson Macuácua, secretário do Comité Central para a Mobilização e Propaganda.

E Lourenço Bulha, que, em 2003, tinha fortes chances de ganhar a Daviz Simango, na altura um jovem anónimo que aparentava não ser político por vocação – para usar as palavras de Max Weber – viu-se preterido pelo partido, o que se consumou no decurso de uma reunião daquela formação política realizada na Beira, e dirigida por Armando Guebuza, na altura secretário-geral, que já cheirava a Presidente da República, considerando que já tinha sido confirmado candidato a tal, em fórum relevante.

Para as autárquicas do ano passado, Bulha, que já se sentia satisfeito com a sua posição de primeiro secretário provincial, foi obrigado a se candidatar, a contra-gosto neste caso, como nos dizem influentes frelimistas baseados na cidade da Beira. Mesmo sem querer, porque previa a sua derrota, teve mesmo que tentar, desesperadamente, desafiar Daviz Simango, que, em cinco anos de governação, mostrou muita competência e comprometimento com a coisa pública. Agora que o nhamussoro do seu partido procura o feiticeiro da operação 19 de Novembro, as ‘pedrinhas mágicas’ apontam-no como sendo o ‘feiticeiro’.

Pessoas como Filipe Paúnde e Edson Macuácua, que foram destacadas para Beira durante o processo eleitoral, voltaram a escapar das ‘pedrinhas mágicas’ do nhamussoro do partido Frelimo.

Em boa verdade, Bulha, de quem nem nutro simpatias, por me parecer dos mais fracos políticos que o país tem, está somente a pagar pelo facto de a única lógica conhecida da política ser a própria ausência da lógica. Quem sabe se as suas santas promessas eleitorais não terão contribuído para que a Frelimo conseguisse a maioria relativa que tem hoje na Assembleia Municipal da Beira?

Não fosse ela, a política, distribuição autoritativa de valores, como diria David Easton! As estruturas do partido, mais preocupadas em vender aparências, o que, em ano eleitoral, nem é mau, estão a redistribuir, autoritativamente, os seus valores. Exercício que, em sede das eleições gerais deste ano, pode se mostrar mais desastroso ainda, ademais neste momento em que toda a província de Sofala aparenta ter, finalmente, descoberto o seu Deus: Daviz Simango.

Vá em paz, caro Lourenço Bulha. Talvez terá, daqui em diante, mais tempo para se envolver na fabricação de caixões, para disponibilizá-los às incontáveis almas humildes que a Beira tem.

Wednesday, March 4, 2009

MISA-Moçambique lança três publicações

O capítulo moçambicano do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Moçambique) procede próxima quinta-feira, 12 de Março corrente, ao lançamento de três publicações – i) Relatório sobre o Estado da Liberdade de Imprensa em Moçambique em 2007, ii) Relatório de Pesquisa sobre Direito à Informação em Moçambique: Um Olhar a Partir do Distrito; e uma iii) Brochura da Proposta de Anteprojecto de Lei do Direito à Informação –, exercício a ocorrer simultaneamente em todas as capitais provinciais do país.

O Relatório sobre o Estado da Liberdade de Imprensa a ser tornado público próxima semana será o quarto do género, considerando que esta organização da sociedade civil moçambicana lança este tipo de documentos desde o ano de 2004. Sobre o Estado da Liberdade de Imprensa em 2007, o relatório considera, de entre outros, que:

· O ano em análise foi genericamente positivo, no sentido em que as acções registadas, atentatórias ao pleno exercício da liberdade de imprensa, não tiveram impacto notório a ponto de pôr em causa esta instituição do sistema democrático Moçambicano.
· Porém, continuou a registar-se a tendência dos anos anteriores, apontando para uma “sofisticação”dos meios de intimidação de jornalistas e de empresas jornalísticas, através do recurso abusivo a soluções judiciais, mesmo nos casos em que o exercício do direito de resposta poderia esclarecer o que, por ventura, tivesse sido representado de forma errónea na informação contestada.
· Um tipo de ocorrência particularmente estranha em 2007 foi o assalto a redacções de alguns órgãos de comunicação social, nomeadamente da imprensa escrita, e que resultaram no roubo de discos duros de computadores ou dos próprios computadores.

Por outro lado, o Relatório sobre o Estado de Liberdade de Imprensa em Moçambique em 2007 inclui artigos de análise de dois jornalistas moçambicanos, nomeadamente de Paul Fauvet, que assina um texto intitulado “Retirando as câmaras das salas de audiência” – no qual refere, por exemplo, que “os jornalistas perderam a batalha (…) quando o Presidente da Republica promulgou a lei inalterada, após o Conselho Constitucional decidir que o artigo em disputa não violava a Constituição”. Trata-se do Artigo 13 da Lei da Organização Judiciária, através da qual ficou consagrado o princípio da proibição absoluta da captação de imagem e som nas audiências de julgamento dos tribunais, e um outro artigo de José Sixpence, intitulado “O Ambiente de trabalho nas visitas presidenciais em 2007”. Nesta análise, o autor diz, a dado passo, que “é um facto que, em algum momento de produção dos nossos artigos, nos deparamos com casos em que sentimo-nos, em nome da ética e de outros valores socialmente aceites, a optar por uma auto-censura…”.

A Pesquisa sobre Direito à Informação em Moçambique: Um Olhar a Partir do Distrito decorreu em 33 distritos moçambicanos, seleccionados como amostra, e tinha como objectivo medir o nível de consciência e de conhecimento das pessoas vivendo nos distritos relativamente ao direito à informação.

O estudo, o primeiro do género no país, que foi realizado por uma equipa de pesquisadores de diferentes áreas de especialidade (jornalistas, comunicólogos, antropólogos, sociólogos, juristas e estatísticos), chegou a conclusões como as seguintes:

· É manifestamente baixo o nível de conhecimento dos cidadãos nos distritos sobre o conteúdo e relevância do direito à informação, enquanto direito fundamental;
· É frequente, entre funcionários locais da Administração Pública e também alguns professores, a crença de que a informação colectada e gerida por entidades públicas é de natureza restrita, senão mesmo secreta.
A brochura contendo a Proposta de Anteprojecto de Lei sobre Direito à Informação visa tornar mais próximo dos cidadãos o conteúdo do documento/proposta sobre a matéria que foi submetido, pelo MISA-Moçambique, à Assembleia da República em Novembro de 2005, ao cabo de três anos de acesos debates promovidos à escala nacional.

De referir que para a produção das três publicações acima referidas o MISA-Moçambique contou com o apoio de vários parceiros, de entre os quais se destacam o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Embaixada da Finlândia em Maputo, Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacional (ASDI) e o Instituto Holandês para a África Austral (NIZA).

Maputo, 5 de Março de 2009










Para informações adicionais, queira por favor contactar:
Ericino de Salema
Oficial de Informação e Pesquisa
Tel: 21-302833
Pricell: 82-3200770
Telemóveis: 82-7992520/84-3992520
E-mails: info@misa.org.mz/ericinodesalema@hotmail.com

Monday, March 2, 2009

Nova especialidade jornalística?

A Embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) lançou, sexta-feira última, dia 27 de Fevereiro, o relatório anual do seu Departamento de Estado sobre Direitos Humanos em Moçambique. No dia seguinte, sábado, adquiri uma cópia do diário Notícias, na esperança de que veria algo sobre a publicação dos irmãos da terra do “Tio Sam”, em forma de notícia, reportagem ou artigo de análise, mas nada; coisa normal esta, atendendo e considerando que os jornais não são elásticos, ao que se acresce o facto de cada jornal ter os seus critérios de noticiabilidade.

Guiado por esse espírito de inelasticidade dos jornais, esperava, quando percorria as páginas do mais antigo diário moçambicano desta segunda-feira, 2 de Março, ver algo sobre aquele relatório, ao qual ainda não tive acesso, tendo em conta o carácter ‘universal’ da noticiabilidade de certos factos. E não estava enganado! Lá vi uma notícia sobre o documento, mas em moldes diferentes daqueles em que os manuais de jornalismo recomendam.

Para ser mais directo: vi, na página três do Jornal Notícias de hoje, a reacção da ministra da Justiça, Benvinda Levy, e não matéria a explicar, em sinopse ou não, o que diz o relatório dos EUA sobre Direitos Humanos em Moçambique. “Justiça e Direitos Humanos com avanços e retrocessos”, titula o Notícias, para, em subtítulo, escrever: “considera Benvinda Levy, reagindo ao relatório do Departamento de Estado norte-americano”.

Que inovação jornalística é esta, caros compatriotas, que, em desabono da mentira, nem é assim tão nova nas páginas do mesmo título, particularmente quando o assunto são críticas ao desempenho do dia? Que será dos que somente lêem o Notícias? Terão razão os que dizem que o Notícias é um jornal governamental? Que será de nós no dia em que o domingo se antecipar ao sábado?

Ainda na manhã desta segunda-feira, enquanto caminhava ao meu local de trabalho, ouvi, no “Café da Manhã”, da Rádio Moçambique (RM), o mano Emílio Manhique a “entrevistar” a ministra da Justiça. Logo a começar a conversa, Manhique foi buscar um trecho aparentemente incómodo, para depois pedir a reacção da “convidada”. Fê-lo como se já soubesse qual é a opinião da ministra sobre o documento, indo directamente às questões específicas. Recebeu algum guião, comrade Manhique?

Quando um governo se desdobra em reacções e/ou desmentidos, usando e abusando do seu poder sobre alguns espaços mediáticos, costuma a ser um forte indício de que pode haver muito de verídico no que se procura “aclarar”…

Ou estaremos em presença de uma nova especialidade jornalística?