O jornalismo é, em termos gerais, uma actividade profissional que consiste em dar a conhecer ao grande público factos relevantes para as suas vidas, o que pressupõe que se esteja em presença de um assunto de interesse público, de algo inédito, que não acontece sempre, de algo que seja actual e que seja ‘próximo’ da sociedade/comunidade visada. Mas nem tudo o que é inédito pode ganhar o estatuto de notícia, qual género nobre do jornalismo.
Quando um amigo nosso consegue comprar um carro, isso é, em países como Moçambique, em que se conjuga contínua e permanentemente o verbo sofrer, inédito; esse facto será realmente inédito, dado que não acontece sempre; mas já não poderá constituir leit motiv para um trabalho jornalístico, dado que o assunto não é de interesse público. Esse caso inédito interessará, talvez, aos que fazem do roubo de viaturas sua ‘profissão’, ao chefe da ‘Recebedoria Fiscal’ em que reside o nosso amigo que acaba de comprar o referido carro. Só isso. Quase só isso. Cremos nós.
Mas quando um empreendimento como a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) é revertido a um Estado como o nosso, ao cabo de 30 anos de impasse, obviamente que estaremos, ai, em presença de um assunto que há-de, inevitavelmente, ganhar o estatuto de notícia.
Existem vários géneros jornalísticos. A notícia é, como referimos atrás, o mais nobre género jornalístico. Autores há que dizem que ela é um género ‘omnipresente’, dado que todo o género tem que conter algo que seja novo. Outros géneros são a reportagem, a entrevista, o artigo de análise, o editorial, o apontamento e o comentário. Estes sãos os mais importantes.
Neste texto, pretendemos abordar um pouco o género entrevista. Temos, em jornalismo, a entrevista como técnica, como instrumento de obtenção de informação, e entrevista como género jornalístico. Registamos e partilhamos estas pequenas notas na esteira do nosso pequeno comentário de ontem, em torno da entrevista que Orlando Anselmo, da TVM, fez, no “Bom Dia Moçambique”, à vice-ministra da Acção Ambiental, Ana Chichava, em torno do Conselho Coordenador daquela instituição, que decorre desde ontem até hoje.
“Qual é a agenda do Conselho Coordenador?”, esta foi a primeira pergunta que Orlando Anselmo fez. A nosso ver, esta questão revelou que o entrevistador ou não sabe o que é e como se faz uma entrevista jornalística, ou não estava preparado, ou está a ser vítima da ‘turbomania’, ou pensa que já é ‘estrela’, pelo que já sabe ‘se virar’, não precisando de investir na preparação das entrevistas que pretende fazer.
Em nossa opinião, aquela entrevista pode ser usada, nas escolas de jornalismo, como um exemplo clássico do que uma entrevista não deve ser.
Entrevistar, como afirma o professor brasileiro Luiz Amaral, não é somente fazer uma pergunta, esperar uma resposta e juntar à resposta outra pergunta; é, sim, um exercício profissional trabalhoso e ingrato. Não é por acaso que, quase sempre, quanto maior for o interesse de um órgão de comunicação social em conseguir a entrevista, menor será o interesse do entrevistado em concedê-la, e vice-versa.
Na realidade, perguntas frouxas e equivocadas, como as que Orlando Anselmo fez à vice-ministra da Acção Ambiental, pressupõem respostas do mesmo calibre. Só o contrário interessará em bom jornalismo, uma vez estar há muito provado que questões inteligentes e a procura da descoberta, a partir delas, do mote e do nexo correcto das situações, podem transformar entrevistas aparentemente inócuas em grandes depoimentos.
Há cinco/seis anos, por exemplo, o jornalista Simeão Ponguane, da TVM, fez uma entrevista a Armando Guebuza. Perguntou, a dado passo da conversa, o que é que o tinha tornado rico. Obviamente que Armando Guebuza não estava à espera daquela pergunta, ademais num canal ‘alinhado’. Como não a esperasse, a resposta não tinha como não ser surpreendente. “Tornei-me rico criando patos”, disse Guebuza.
[Mano Ponguane, ainda tens ‘força’ de fazer esse tipo de perguntas? Ouvimos-te, com muita pena, a partir de Nova Iorque, a te queixares de teres tido acesso ao discurso de Guebuza três horas depois dele tê-lo proferido, ‘o que torna o nosso trabalho difícil’. Então, precisava de ir às terras do ‘tio Sam’, para sofrer tanto assim? Porquê não pediu o discurso antes de Guebuza viajar, comprometendo-se a cumprir o embargo que lhe seria imposto? Ou pedia à mana Marlene para enviar-lho por e-mail…]
Orlando Anselmo poderia, por exemplo, fazer algo muito simples: perguntar porquê o Conselho Coordenador da “Acção Ambiental” tem os assuntos A e B na sua agenda e não os assuntos C e D. Agora, perguntar qual é a agenda não passa, em rigor, de uma não entrevista. Aquilo só nos recordou de uma ‘pergunta’ que um antigo estagiário fez a Afonso Dhlakama em 2004, no dia em que este lançou a sua campanha eleitoral.
“Qual é o balanço que faz da sua campanha?”, quis saber o referido estagiário, que, não sendo ‘pivot’ como os outros, acabou por ‘morrer’ jornalisticamente, de morte natural e não de ‘morte matada’. Mas como se pode pedir o balanço de algo que está a ser lançado? São destas coisas que fazem do nosso país um país de sorrisos e contrastes, em que muitos têm pressa, mas quase sempre sem destino.
Grandes entrevistadores adquirem, na realidade, técnicas que transformam o jogo de perguntas e respostas numa espécie de xadrez, ‘conseguindo arrancar declarações que o entrevistado não pretendia fazer’. Não bastará apenas ter tarimba: será preciso, como nos diz Pedro Campos, trabalhar duro antes da entrevista, pesquisando tudo sobre os temas a serem tratados e sobre o entrevistado.
Aos que trabalham para a imprensa escrita e que apreciam a boa entrevista, recomendamos que leiam as entrevistas que o jornalista Salomão Moyana fez nos primeiros três/quatro anos do SAVANA. Uma delas, talvez a mais ‘espectacular’, é a que fez a Kausla de Ariaga – escrevi bem? Aos que fazem entrevistas televisivas, aconselhamos a acompanharam as entrevistas de Judite de Sousa, na RTP, e de Lerry King, na CNN. Para todos os entrevistadores, todos mesmo, é imperioso ler “Uma Entrevista Com A História”, da já falecida jornalista italiana Oriana Fallaci.
Quando o jornalista não estiver preparado, o entrevistado torna-se palestrante…
Friday, October 3, 2008
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3 comments:
Oi Salema,
Parabéns pelo texto que me chegou por via do Celso Ricardo.
Os nossos entrevistadores por aqui, além da já deficiente formacao básica (nao necessariamente jornalística, mas de base o primário, o secundário, etc.) andam muito mal preparados...nao dominam suficientemente a língua de trabalho, mostram muita falta de cultura geral. Deixo aqui uns exemplos colhidos ao acaso: Em 2007 estando eu ao servico do Fórum Social Mocambicano, na Josina Machel, em Maputo,apareceu um dos principais jornalistas de uma famosa televisao local. E a 1a pergunta que me fez foi como a do Orlando Anselmo. Um outro, dum jornal, pediu-me que eu lhe explicasse brevemente, em OFF, a génese, objectivos, etc. do Fórum, para depois, gravando, ele fazer-me as perguntas...no fim, lendo ele num dístico, disse: mas porqué nao escreveram a palavra Fórum em português, que segundo ele, seria Foro...fiquei com vontade de rir, mas percebi que ele precisava de mais uma palestra, além da que eu acabava de proporcioná-lo...
Um outro caso deu-se com um amigo meu, que chamado a um importante órgao de comunicacao local (radiofónico), antes da entrevista, o entrevistador pediu-lhe, humildemente, que ele alistasse umas 4 ou 5 perguntas que o meu amigo achava fundamentais, e foram-lhe feitas apenas essas perguntas, além do agradecimento por ter acedido ao convite...que dizer disto...
Abraco,
Tomás Selemane
Caro Thomas,
A situação é mesmo essa. A formação de base é mesmo crucial. Temos mesmo que dar um passo!
Cumprimentos, ilustre!
Oi Salema
Estás de parabéns pela oportunidade deste texto. Efectivamente estamos muito mal no que tange a entrevistas/entrevistadores. Na minha óptica para além do trabalho de base há muita falta de humildade por parte dos nossos pseudo – jornalistas, pois um pouquinho dela faz com que a pessoa se preocupe em investigar um pouco mais antes, de aventurar, entrevistar alguém. Este facto faz com que diariamente o público sofra por causa do espectáculo gratuito que nos é dado a assistir, pois o entrevistador não consegue colocar as questões que o cidadão comum gostaria de ver esclarecidas.
Por essa razão, impõe-se que diga que a falta de preparação aliada ao facto de persistirem critérios pouco claros na selecção dos repórteres faz com que os meios de comunicação social moçambicanos, não cumpram com o seu papel pois conforme sublinha Edson Silva, o papel da mídia, particularmente o do jornalismo, configura-se como a actividade de carácter social que coloca a sociedade em linha de diálogo, que promove a mediação de conflitos, apurando, checando, seleccionando (fontes e informações) e editando. Assim, o papel da mídia é o de promover a grande assembleia, a polémica, o debate, o enfrentamento do problema, o diálogo entre todos os segmentos da sociedade.
Ao propor reflexões sobre o tema papel da mídia, nos remetemos à instância da representação. Assim, papel é igual personagem de uma determinada história. Esta (a personagem), por sua vez, pressupõe a existência de um sujeito que age, influenciando situações. A mídia jornalística é esse sujeito, porque, ao dar visibilidade ao factos quotidianos, não apenas conta e regista factos, mas também se coloca como personagem que se projecta nesses fatos.
É caso para dizer, jornalistas precisam-se!
Noe
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