As eleições autárquicas de 19 de Novembro de 2008, que decorreram em 43 cidades e vilas moçambicanas, confirmaram, na minha maneira de ver as coisas e de sentir o pulsar da política, algo que há muito se vaticinava nalguns círculos: a grande vontade das actuais lideranças da Frelimo, o partido no poder, de transformar a sua formação política em partido dominante.
Mas porquê? Tratou-se da primeira experiência eleitoral no país de Eduardo Mondlane e Uria Simango em que os partidos concorrentes e seus candidatos não tiveram acesso a algum apoio monetário por parte do Estado, como forma de melhor se prepararem para enfrentar o pleito. Em eleições pluripartidárias anteriores – ‘gerais’ de 1994, 1999 e 2004 e ‘autárquicas’ de 1998 e 2003’, sucedeu o contrário. Até aqui tudo pode parecer normal, se se assumir, de forma acrítica, que nenhum partido e/ou candidato recebeu fundos do erário público.
Na verdade, na verdade mesmo, as coisas não foram bem assim: a Frelimo, partido no poder que é, e devidamente consciente da importância da sua manutenção no poder, terá usado o controlo que possui sobre os Cofres do Estado para financiar as suas pré-campanha e campanha eleitorais.
Alguns dos funcionários públicos que receberam ordens para ‘investir tudo que possível’ para o partido no poder, até se esqueceram da ilegalidade de coisas tais, a ponto de publicitarem, na imprensa, no âmbito dos comandos do decreto número 54/2005, de 13 de Dezembro – sobre contratação de empreitadas, serviços e compras de bens do Estado – a intenção de se pretender uma empresa para produzir camisetas e bonés para o partido Frelimo. O exemplo da Direcção Provincial do Plano e Finanças de Inhambane nos poupa a esforços de tanta elaboração e/ou fundamentação em torno desta triste realidade deste nosso país, que ainda está à procura de si.
Com isso, a Frelimo se demonstrava, no teatro das operações, com uma super-força. Super-força que, em desabono da mentira, só se podia equiparar à grandeza do próprio Estado. Caso para dizer que continuam bem válidos os postulados de Maquiavel, segundo os quais em política os fins é que justificam os meios.
Se em futebol estivéssemos, teríamos uma Frelimo equiparável a formações como Real Madrid, da Espanha, e a Manchester United, da Inglaterra, a ‘medir forças’ com equipas como Vilankulo FC, Textáfrica do Chimoio ou Munhuanense Azar. Mas não deixa de ser verdade que partidos como a moribunda Renamo, que recebe fundos regulares do Estado, tiveram o ‘azar’ eleitoral que tiveram por terem o ‘azar’ de ter a liderança que (não) tem…
Já vai muito longo este nosso intróito. Peço indulgências por isso. O leit-motiv deste artigo é, como se pode depreender do seu título, a recente destituição de Lourenço Bulha do cargo de primeiro secretário provincial da Frelimo na província de Sofala. Antes de abordarmos o ‘caso Bulha’ como tal, permitam-me fazer outro enquadramento que julgo ser importante para se ter alguma percepção da aparentemente eterna preocupação do partido no poder em conquistar a ‘oposicionista’ Sofala, com a sua Beira no epicentro.
Quando foi das eleições autárquicas de 2003, nas quais Djalma Lourenço, candidato da Frelimo, foi humilhado por Daviz Simango em sede da votação, a mesma Frelimo, inconformada, teve que procurar um culpado pela derrota. E como quem procura feiticeiro sempre encontra, o partido no poder encontrou o [alegado] responsável pela sua derrota no pleito daquele ano. José Juga, na altura primeiro secretário da Frelimo na cidade da Beira, é ou foi o dito cujo.
Em reacção à sua sacrificação, José Juga usou as páginas do ZAMBEZE para desabafar, afirmando que o seu partido de então – ele é, agora, do PDD de Raul Domingos – estava a perceber mal as coisas. Precisou, por exemplo, que a Frelimo nunca tinha conquistado Beira, mesmo em sede de eleições gerais, o que, segundo fez questão de frisar, podia ser aferido a partir de uma simples desagregação dos dados provinciais [de Sofala].
No seu sinuoso esforço de conquistar Beira, Djalma Lourenço e a sua Frelimo tiveram o ‘apoio estratégico’ dos mesmos quadros que, nas eleições de 2008, apoiaram Lourenço Bulha: refiro-me a Filipe Paúnde, na altura primeiro secretário em Sofala, e ao meu amigo e conterrâneo Edson Macuácua, secretário do Comité Central para a Mobilização e Propaganda.
E Lourenço Bulha, que, em 2003, tinha fortes chances de ganhar a Daviz Simango, na altura um jovem anónimo que aparentava não ser político por vocação – para usar as palavras de Max Weber – viu-se preterido pelo partido, o que se consumou no decurso de uma reunião daquela formação política realizada na Beira, e dirigida por Armando Guebuza, na altura secretário-geral, que já cheirava a Presidente da República, considerando que já tinha sido confirmado candidato a tal, em fórum relevante.
Para as autárquicas do ano passado, Bulha, que já se sentia satisfeito com a sua posição de primeiro secretário provincial, foi obrigado a se candidatar, a contra-gosto neste caso, como nos dizem influentes frelimistas baseados na cidade da Beira. Mesmo sem querer, porque previa a sua derrota, teve mesmo que tentar, desesperadamente, desafiar Daviz Simango, que, em cinco anos de governação, mostrou muita competência e comprometimento com a coisa pública. Agora que o nhamussoro do seu partido procura o feiticeiro da operação 19 de Novembro, as ‘pedrinhas mágicas’ apontam-no como sendo o ‘feiticeiro’.
Pessoas como Filipe Paúnde e Edson Macuácua, que foram destacadas para Beira durante o processo eleitoral, voltaram a escapar das ‘pedrinhas mágicas’ do nhamussoro do partido Frelimo.
Em boa verdade, Bulha, de quem nem nutro simpatias, por me parecer dos mais fracos políticos que o país tem, está somente a pagar pelo facto de a única lógica conhecida da política ser a própria ausência da lógica. Quem sabe se as suas santas promessas eleitorais não terão contribuído para que a Frelimo conseguisse a maioria relativa que tem hoje na Assembleia Municipal da Beira?
Não fosse ela, a política, distribuição autoritativa de valores, como diria David Easton! As estruturas do partido, mais preocupadas em vender aparências, o que, em ano eleitoral, nem é mau, estão a redistribuir, autoritativamente, os seus valores. Exercício que, em sede das eleições gerais deste ano, pode se mostrar mais desastroso ainda, ademais neste momento em que toda a província de Sofala aparenta ter, finalmente, descoberto o seu Deus: Daviz Simango.
Vá em paz, caro Lourenço Bulha. Talvez terá, daqui em diante, mais tempo para se envolver na fabricação de caixões, para disponibilizá-los às incontáveis almas humildes que a Beira tem.
Friday, March 6, 2009
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2 comments:
Belo texto caro Salema. Porém, parece-me que a Frelimo ainda não acertou a estratégia para Beira. Ainda não questionou as causas da vitória de Daviz mas pelo contrário, já sabem quem traiu quem. A Vitória de Daviz mostra quanto a mim, que os beirenses não são cidadãos atrelados a partidos e ideologias políticas. E aqui, também vai um recado a Daviz, que está prestes a fundar o seu Partido. Os beirenses são sim fanáticos de pessoas, de políticos "who deliver their promisses"; que cumprem com as suas promessas, que são acólitos da boa governação e que redistribuem os dividendos colhidos do trabalho colectivo. Só isso. E a consciência dos beirenses não é apenas local, é, pelo contrário, regional; nacional. Para ser mais preciso, importa que a Frelimo entenda bem quando o beirense fala de ASSIMETRIA REGIONAL. Verá que não estará a falar apenas da sua região, mas sim da Boa Governação.
Que venha Juga, ou mesmo outros santos da casa ocupar o cargo ora deixado pelo Bulha. Se a boa governação, não estar lá...num valiapena!
Caro Egidio: obrigado pelo belo comentario. Na verdade, a Frelimo tem que ter outra atitude para com o fenomeno Beira. Abracos
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