A SADC (Southern Africa Development Community – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) mostrou esta semana ser uma organização que se guia pela lógica de ‘dois pesos e duas medidas’ na sua maneira de lidar com crises políticas. Ao cabo de um ano de minimização, ou mesmo de ‘nulização’, do Golpe de Estado perpetrado pelo comrade Robert Mugabe no Zimbabwe, eis que, em tempo recorde, o não comrade Andry Rajoelina, o militarmente indigitado presidente do Madagáscar, foi suspenso. Mas porquê se pode falar de Golpe de Estado tanto no apadrinhado Zimbabwe como na marginalizada Madagáscar?
Para vários cientistas políticos, Golpe de Estado é o processo através do qual uma pessoa ou grupo de pessoas ilegítimas, porque não legalmente designada(s) - por eleição, hereditariedade ou outro processo legal de transição – chegam ou se mantém no poder, contrariando ou subvertendo todo o quadro legal e da ordem social e política vigentes.
Um Golpe de Estado costuma, assim, a acontecer quando um grupo político renega as vias institucionais para chegar ou se manter no poder, recorrendo, para tal e para tanto, a métodos de coacção, coerção, chantagem, pressão – compadrio, acrescentamos nós – ou emprego violento da violência para se manter no poder ou para conquistá-lo.
Na verdade, os elementos caracterizadores desse fenómeno acima referidos foram abundantemente notórios no Zimbabwe, antes e depois das eleições de Março do ano passado, ganhas pelo MDC (Movement for Democratic Changes – Movimento para Mudanças Democráticas) e pelo seu candidato a Presidente da República (PR), Morgan Tsvangirai. No período anterior e posterior às de Junho do mesmo ano, convocadas para se apurar o PR entre os dois candidatos mais votados (Morgan Tsvangirai e Robert Mugabe), o caos se manteve, a ponto de o vencedor da ‘primeira volta’ desistir.
Logo a seguir ao escrutínio de 27 de Junho, uma missão de observadores da SADC dizia, no seu relatório, que “as eleições não representaram a vontade do povo”, mas, mesmo assim, os chefes de Estado desta sub-região continental, incluindo o PR moçambicano, Armando Guebuza, vieram a público referir que ‘esforços estão a ser feitos no sentido a normalidade regressar ao Zimbabwe’.
Três meses depois [em Setembro de 2008] da farsa eleitoral de Junho, Morgan Tsvangirai – declarado por contagens paralelas como tendo obtido mais de 50 por cento de votos no pleito de Março do ano transacto – e as duas alas do MDC eram empurrados pela SADC e pelos comrades filiados na ZANU-PF a assinaram um acordo para a formação de um governo de unidade, acto que viria a se consumar cinco meses depois [em Fevereiro de 2009], mas uma coisa manteve-se: a minimização, ou mesmo ‘nulização’, do Golpe de Estado perpetrado pelo regime de Robert Mugabe.
O processo de assalto violento às mentes e integridade física dos zimbabweanos, às normas constitucionais e aos mais básicos preceitos de eleições livres, justas e transparentes, qual Golpe de Estado visando a manutenção ilegal e ilegítima no poder por parte de Robert Mugabe e da sua entourage da ZANU-PF, foi superiormente dirigido por um “Joint Operations Command”, em claro atropelo à Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação, adoptada pela União Africana em Janeiro de 2007, que, no seu artigo 23º, capítulo 8, estabelece o seguinte:
“Any refusal by an incumbent government to relinquish power to the winning party or candidate after free, fair and regular elections [belongs to the same category as a] coup d’Etat or intervention by mercenaries (…) armed rebels or dissidents”, o que, em tradução livre, seria o mesmo que “Qualquer recusa por parte de um governo do dia para entregar/passar o poder ao partido ou candidato vencedor após eleições livres, justas e regulares [pertence à mesma categoria de] Golpe de Estado ou intervenção de mercenários (…) forças armadas ou dissidentes”.
Apesar de não ter havido nenhuma eleição livre e justa em Zimbabwe no ano passado, as de Março ainda foram tidas como aceitáveis, uma vez que o povo pelo menos foi às urnas expressar a sua vontade. Vontade que, para muitos observadores independentes, foi coarctada pelos gestores do processo eleitoral, que tudo fizeram, com sucesso, para que Morgan Tsvangirai tivesse abaixo de 50 por cento de votos.
Mas esta semana a SADC mostrou aos que dúvidas tivessem que ela nem sempre ‘pisca o olho’ a conquistas ilegais do poder, que talvez tenham, como dizem vários analistas, alguma dose de legitimidade. Referimo-nos à actuação desta organização regional face à situação política no Madagáscar, que levou ilegalmente ao poder o agora mediático Andry Rajoelina, de 34 anos de idade.
Em pouco menos de duas semanas, os líderes da SADC reuniram-se por duas vezes, com Madagáscar no topo da agenda. Na última dessas reuniões, que se realizou segunda-feira na Swazilândia, a ilha-país agora superintendida por Andry Rajoelina foi suspensa da organização, tendo se apelado ao militarmente indigitado presidente, pouco depois reconhecido pelo Tribunal Supremo local, a abandonar urgentemente o poder, “abrindo caminho para uma incondicional recondução de Ravalomanana”.
Em rigor, este é o segundo Golpe de Estado que acontece na África Austral num espaço de um ano: o primeiro foi perpetrado pelo regime de Robert Mugabe no Zimbabwe, ao qual a SADC ‘fechou os olhos’, ao que seguiu o de Março último no Madagáscar, que levou Andry Rajoelina ao poder. Mas porquê a adopção da política de ‘dois pesos e duas medidas’ por parte da SADC?
Estando, até certo ponto, óbvia a razão para tal e para tanto, importa recordar que, quando se viu pressionado pelos media e por influentes figuras, como são os casos de Nelson Mandela e Desmond Tutu, que questionavam o compadrio da organização regional, Robert Mugabe veio a público dizer que “ninguém me pode tirar do poder, a não ser Deus”, tendo ajuntando que “nenhum chefe de Estado dos países da SADC está limpo para me criticar”.
Em reacção a esta última decisão da SADC, Andry Rajoelina foi segunda-feira citado por agências noticiosas internacionais como tendo dito o seguinte: “As sanções aplicadas não trouxeram nenhuma surpresa. Madagáscar tem sido membro desta organização (SADC) mais por questões pessoais que por questões de interesse público”.
Não estará a SADC, com a forma como encarou os dois Golpes de Estado abordados neste artigo, a se assumir, de uma vez por todas, como um ‘Clube de Amigos’?
Thursday, April 2, 2009
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1 comment:
PASSEI POR AQUI
Esta claro que a nossa SADC nao passa duma corja onde o nepotismo tem sido pratica reiterada, pelo menos a mim nao me enganam. Cuidado, dentro das nossas fronteiras ha tambem clubes de amigos e o que deviamos fazer era controlar o clubismo que vai ganhando terreno ca no sitio para nao corrermos risco de sermos julgados, amanha.Foi nessa ordem de ideias que escrevi sobre a institucionalizacao do nepotismo nas nossas organizacoes, pensemos nisso. Valeu
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