Em comunicado distribuído na tarde desta terça-feira à imprensa, assinado por Georgina Zandamela, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma, através do seu Gabinete de Comunicação, a detenção de nove indivíduos, em conexão com o processo 771/PRC/07, cujo fulcro acredita-se ser o desvio e/ou roubo de pouco mais de 220 milhões de meticais (220 biliões na antiga denominação do metical).
Logo no seu primeiro parágrafo, a referida nota à imprensa começa de uma forma problemática, ao afirmar:
“A Procuradoria da República da Cidade de Maputo efectuou 9 (nove) detenções sendo um dos detidos o ex-Ministro do Interior Almerino Manhenje. Este arguido foi o primeiro a ser detido às 10.00 horas do dia 22 de Setembro de 2008 e o último às 16 horas”. (SIC)
“Onde está o problema com este parágrafo?”, deve estar a perguntar-se o nosso caro leitor. A meu ver, não foi despropositado o facto de se indicar apenas o nome de um dos nove detidos, mantendo-se os restantes oito no anonimato. Isso sugere, creio eu, que, no processo retrocitado, Almerino Manhenje é uma espécie de “troféu”.
Com a indicação e destaque do nome do antigo ministro do Interior, que era também ministro na Presidência para Assuntos de Defesa e Segurança, desconfio que se pode estar a pretender passar a ideia de que “foi detido um antigo colaborador de Joaquim Chissano”; “está detido uma das caras do deixa-andar, da corrupção, etc”; “que connosco nenhum corrupto terá espaço”, e por ai em diante.
Por outro lado, o comunicado que a PGR distribuiu à imprensa constará, com muito destaque, da História [Mediática e Jurídica] deste país, uma vez ser ao todo descomunal se agir como se agiu desta vez. Como eu, muitos hão-de estar recordados do que sucedeu quando foi das detenções em conexão com o “caso Carlos Cardoso”: foi o Ministério do Interior quem se encarregou de vir a terreiro anunciá-las, talvez porque “troféus” não houvesse…
Julgo ser importante tentar contextualizar a detenção de Almerino Manhenje e de “outros” arguidos. Com este exercício, creio eu, muitos cidadãos estarão em condições de não se limitarem ao aparente, pois, além deste [do aparente], pode haver muito de substancial que possa ajudar na percepção deste caso, com aparentes atropelos [legais] à mistura, como iremos explanar mais à diante.
Há três meses, o embaixador da Suécia em Moçambique, Torvald Akesson, concedeu-me uma entrevista, publicada nas páginas do SAVANA, na qual ele anunciava que o seu país iria reduzir, a partir do próximo ano, o apoio que presta ao Orçamento do Estado (OE) moçambicano, devido ao fraco desempenho deste nalgumas metas dos indicadores de boa governação no ano passado.
Torvald Akesson explicou que, na óptica do seu país, alguns dos indicadores da boa governação, que é a contrapartida que se exige com o apoio directo ao OE, não estavam a ser observados, daí essa reacção. “Não estamos a ver um progresso sério no tocante ao combate à corrupção”, precisou o diplomata sueco.
Duas semanas depois, o governo “analisou”, em sessão de Conselho de Ministros, o estágio da implementação da Estratégia Anti-Corrupção (EAC), para, no seu fim, Luís Covane afirmar, na sua qualidade de porta-voz, que “estamos satisfeitos com os progressos que se estão a registar”.
Caricato, não é? Como é que se pode “analisar” o grau de implementação de algo que não está a ser implementado? Bastará se ter um documento aprovado para se assumir que se está a trabalhar, mesmo que ele esteja algures cheio de poeira? O que podia se analisar, creio eu, é o grau de não implementação da EAC!
A EAC ao nível do Ministério do Interior é um exemplo paradigmático de estagnação, quando se presta alguma atenção ao Plano de Acção Nacional de Combate à Corrupção 2007-2010, em cuja introdução se lê o seguinte:
“A corrupção periga a estabilidade e a segurança das sociedades, mina os valores da democracia e da moralidade, afecta o desenvolvimento social, económico e político, a legalidade dos actos administrativos do sistema governativo e reduz, na essência, o grau de confiança dos cidadãos no governo e nas instituições do Estado”.
O “objectivo 2” ao nível do Ministério do Interior, por exemplo, é o de estabelecer/desenvolver uma cultura de transparência, de isenção, de integridade e de responsabilização públicas. Duas das actividades que tinham sido previstas para o ano passado eram i) a criação de mecanismos de protecção de testemunhas e denunciantes e ii) criação de uma comissão anti-corrupção. Até hoje, nada parece ter avançado.
Alguns dias depois da acima citada “análise” em sede de Conselho de Ministros, eis que o Ministério da Função Pública realiza o seu Conselho Coordenador em Tete, durante o qual foi excessivamente capitalizado um discurso anti-corrupção. Aliás, o “momento mais alto” desse evento foi o anúncio da expulsão, em 2007, de mais de dois mil funcionários do Aparelho do Estado. Enviesamentos atrás de enviesamentos…
Esta semana, a situação ganhou outra dinâmica, com a aplicação, a Almerino Manhenje e aos “outros”, da mais extrema medida de coacção, que é a privação da liberdade. Normalmente, esta medida de coacção é aplicada quando houver i) perigo de fuga, ii) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e iii) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade dos arguidos, de perturbação da ordem e tranquilidades públicas ou de continuação da actividade criminosa.
Tendo fé nas palavras de Lourenço Malia, advogado de Almerino Manhenje – que, no “caso Albano Silva”, defendeu Momad Assif Abdul Satar, também conhecido por Nini –, parece não se ter cumprido à risca o que diz o artigo 64 da Constituição da República. No seu número 3, refere que “toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”, estabelecendo o número seguinte (4) que “a decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança do detido, por este indicado”.
No meu entender, se o seu advogado aparece em público a “queixar-se” de não ter sido devidamente informado, ao que se acresce o facto de não ter ainda podido conferenciar, não de forma telegráfica, com o seu constituinte (Manhenje, neste caso), é pouco crível que algum parente tenha sido razoavelmente informado do ocorrido por quem de direito.
Outro facto que pode ser recuperado para se tentar enquadrar o que está a acontecer pode ser a própria velocidade com que o actual Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, se empenhou no “caso MINT”: foi nomeado a 29 de Agosto de 2007, para, a 19 do mês seguinte, destacar, por via de um relevante despacho, uma equipa para se ocupar deste processo. Se nada há de “kamikaziano”, melhor; mas, como bem disse segunda-feira António Frangoulis, quando instado a comentar se Augusto Paulino não estaria, com este caso, a se mostrar corajoso, que “o corajoso é quem manda-lhe fazer o que faz”.
Seja como for, a justiça tem que ser feita, haja um ou outro enquadramento, mas sempre com escrupuloso respeito à lei. Enquanto jornalista, recordo-me de ter denunciado em 2001, nas páginas do SAVANA, um caso de desvio de um título no valor de 9 milhões de meticais (nove biliões da antiga família) do Ministério do Interior, num caso em que Almerino Manhenje parecia ter ficado com parte do “bolo criminal”, como sugeriram as investigações que fiz na altura. Quando o contactei para dar a sua versão, tudo quanto fez foi pedir a não publicação do artigo, bem “assessorado” por Nataniel Macamo…
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment